domingo, 31 de dezembro de 2023

Caleidoscópio - Polónia 2023

Como areia a fugir entre os dedos mais um ano passou e a passos largos caminhamos para o meio da década dos anos vinte do século XXI. 


2023 foi um ano de mudanças na Polónia, o ano que viu oito anos de governo do partido Lei e Justiça (PiS) chegarem a um possível fim, digo 'possível' porque nada é certo depois de tensões nunca antes vistas no 'Sejm' polaco com a decisão de uma coligação do partido mais votado da oposição, o PO, ou Plataforma do Cidadão liderado por Donald Tusk com todos os outros partidos exceto o dito ultra-nacionalista Konfederacja que, também esse, apesar de não se coligar acabou por rejeitar qualquer associação com o PiS de Jarosław Kaczyński. 

Após semanas e suspense digno de um filme de Alfred Hitchcock o governo de coligação formado por Tusk foi finalmente validado por o Presidente Duda apesar da vitória do PiS por 33.5 pontos percentuais. 
 
O voto de confiança necessário para que o PiS formasse governo, ainda que sem maioria, não foi dado por o resto dos partidos com assento parlamentar e o presidente Andrzej Duda acabaria por aceitar o novo plano de governo de Tusk entre virulentas acusações de Kaczyński - ditas em plenário e "à cara podre" - de que Donald Tusk é um "agente alemão" e que a coligação irá afundar a Polónia em total obediência à Alemanha. 

Um tiro no pé?

A União Europeia tinha alertado a Polónia do governo conservador sobre a liberdade de imprensa, sobretudo nos meios de comunicação social estatais como o canal público TVP (homólogo da nossa RTP) entre outras políticas contrárias àquelas da UE como os direitos das mulheres, a questão das mudanças na constituição da República da Polónia e a nomeação de juízes favorecedores do PiS para o supremo tribunal. 
Estes alertas custaram à Polónia biliões de Euros em apoios comunitários, especialmente aqueles que seriam atribuídos durante e após a pandemia. Com o governo de Tusk seriam finalmente libertados e tudo começava a entrar nos eixos até ao dia em que o recém formado governo decidiu fazer uma purga nos estúdios da TVP - o canal estatal que se tornou numa máquina de propaganda do governo, ventilando tudo o que favorecia a agenda do PiS e fazendo tábua-rasa do princípio de imparcialidade do jornalismo. 

Jarosław Kaczyński foi tirar satisfações com as forças policiais que encerraram os estúdios da TVP Info em Varsóvia. Pouco depois seria o ex-primeiro-ministro, Mateusz Morawiecki a "dar com os burrinhos na água". Seguiram-se manifestações de protesto e forte oposição a esta purga.

Foi nesta expectativa de desmantelamento do canal estatal e típica "dança das cadeiras" que o imprevisto aconteceu. A polícia foi chamada para remover dos estúdios a gerência ligada ao PiS. O acontecimento foi tão brusco que a emissão de um dos canais noticiosos da TVP Info foi mesmo interrompido abruptamente e o momento filmado e divulgado, curiosamente, por um luso-descendente, Samuel Pereira, então o vice-diretor do canal TVP Info, o qual seria posteriormente saneado a 20 de Dezembro. 

A situação política está longe da estabilidade, o PiS não pretende abdicar de formar governo e procura por todos os meios invalidar o governo de coligação de modo a convocar eleições legislativas, o chumbo do orçamento de Estado pela mão de Duda poderá ditar novas eleições em 2024. O futuro dirá se não trará mais surpresas... Por hoje e algo não visto há mais de dez anos o Primeiro-Ministro Tusk irá discursar a mensagem de ano-novo no canal estatal. 

Entretanto aqui ao lado continua a guerra na Ucrânia com um elevado custo humano para os ucranianos e notória tensão nas fronteiras Leste da Polónia, dos estados bálticos e agora na extensa fronteira da Finlândia com a Federação Russa.
Décadas de Pax Americana, de dependência militar e relaxamento absoluto, ao ponto de quase negligência, das forças armadas europeias levou a uma apressada reorganização da NATO e à questão que aparentemente ninguém quer ver discutida (excepto Macron) do que realmente é a Europa sem o guarda-chuva dos EUA. Qual a real capacidade de retaliação, de resposta e de preparação da UE face à ameaça da Rússia e também a total ineficácia da defesa das fronteiras externas a ataques híbridos com refugiados e migrantes económicos, como se tem visto na fronteira com a Bielorrússia, com a Estónia, Letónia e Lituânia e agora também na Finlândia, Itália e Mediterrâneo. 

O Jubileu 

Este ano de 2023 marcou também o meu cinquentenário, parece mentira que rolaram cinco décadas, cinquenta passagens de ano desde o meu nascimento numa tarde de Dezembro lisboeta, no agora longínquo ano de 1973. As mudanças no semblante, no corpo, o cabelo a ficar grisalho, aquelas dores nas costas ou algures que já nem fazemos caso estão lá e a mente, essa, não acompanha e parece não entender quem é essa pessoa no espelho. 

Pertenço a uma geração privilegiada que nasceu antes da era informática, da Internet, uma geração que cresceu a brincar nas ruas e a esfolar joelhos entre televisão a preto e branco, o telefone de discar, os carros com pára-choques cromados e a cheirar a gasolina com chumbo mal queimada, a cassette e o rádio Solid State, as calças boca-de-sino, os adultos de patilhas e o omnipresente fumo do cigarro. Dos anos 70 foi um pulo para a década de 80 com um Portugal a descobrir-se e a modificar-se entre os escombros de uma longa ditadura e o surgimento de novas liberdades e direitos. Uma década que viu a adesão à então CEE no ano de 1986 e a um desenvolvimento económico nunca visto em décadas anteriores em paralelo com o cada vez mais presente computador pessoal. Foi um final de década agitado e, sem saber,  o início da minha aventura polaca, a Era Socialista-Comunista chegava ao fim na Polónia com as conferências da mesa redonda e por fim na RDA com a emblemática demolição do muro de Berlim e em efeito dominó a todos os países do Pacto de Varsóvia. 

Lech Wałęsa marca o início da República da Polónia e o desmantelamento da República Popular e subserviência à URSS.

Entrámos nos anos 90 com os carros a serem fabricados para baterem e salvarem vidas, o airbag é uma nova palavra no vocabulário junto com outra, o crash-test. O vinil e a cassette dão lugar ao Compact Disc e ao DVD e CD-Rom, ao surgimento de algo que prometia um mundo em comunicação e partilha de informação, falava-se de uma Aldeia Global com a Internet, ligavamos com um "modem" em grande ruído e custo por minuto, ainda não havia o Google mas sim o Yahoo, o Windows e Office eram novidade e guardava-se tudo em disquetes - as nuvens ainda só existiam no céu. Foi uma década que viu uma transição entre o mundo analógico para o digital e a popularização do telemóvel que no português do Brasil foi denominado de celular. Daí para a mudança de século foi um piscar de olhos, dos telemóveis arcaicos e do SMS e MMS passámos para o "Smartphone", para a era das redes sociais, do YouTube, dos termos influencer, YouTuber e sem darmos conta a disquete e o compact disc eram já dinossauros informáticos. Agora guarda-se tudo numa nuvem, a música que durante décadas alimentou a indústria discográfica está ao alcance de um clique a poucos segundos e gratuitamente. É a era da rapidez e da nostalgia do vagar e da privacidade, da genialidade e da estupidez, da vaidade ou do desprendimento, do exibicionismo e da timidez, dos pronomes, do pró e do anti... Tudo é debatido, demonstrado, lutado ou derrotado e resumido a um provérbio: Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. Agora a avançar nos anos vinte surge a Inteligência Artificial a prometer mais uma revolução e mudanças profundas na sociedade, economia e modo de vida das populações. O progresso é assim, progride...

E assim desejo a todos os leitores e amigos um excelente 2024 cheio de paz para o mundo (bem precisamos!).







sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Feliz Natal / Wesołych Świąt Bożego Narodzenia/ Merry Christmas

Votos de Boas Festas a todos os que seguem este (agora anual) blogue e a todos os meus amigos e conhecidos aqui, em Portugal e Além-Mar - sobretudo o Brasil.


Se me permitem gostaria de clarificar o motivo pelo qual este espaço de escrita tem vindo, ao longo dos últimos anos, a ser menos atualizado e, como podem constatar, passou a ser praticamente anual. 

Este "Um português na Polónia" conta já com mais de 20 anos de história (e de estórias) em terras polacas. Apesar de conhecer a Polónia desde Novembro de 2001 - aterrei em Varsóvia poucos dias depois do 11 de Setembro (medo!) - e aqui ter estudado ao abrigo do intercâmbio de estudantes Erasmus-Sócrates voltaria, de vez, no Verão de 2004 como que atraído por uma força quase magnética entre outros factores como sentir-me encurralado em Portugal, a inevitável ressaca do intercâmbio de estudantes e a intuição de que o futuro seria lá, na Polónia, um país que estava a passos de aderir à União Europeia. 

O tempo passa rápido, demasiado rápido até. Em cinquenta anos de vida passei um em Angola, vinte e nove em Portugal e agora dezanove na Polónia (vinte no próximo Verão). 
Já não vejo o país que me acolheu como um estrangeiro, já não é fácil comparar isto e aquilo com o que temos e fazemos em Portugal (para todos os efeitos e ainda que se possa tirar um português de Portugal, não se tira Portugal de um português) mas estou inevitavelmente "polonizado" em muitos aspetos da minha vida fruto de uma integração que incluiu matrimónio, formação de família e também genuíno interesse na História, cultura e ethos da Polónia e das suas gentes. 
Como tal escrever sobre as diferenças, as idiossincrasias da cultura polaca tornou-se uma tarefa intrincada senão inverosímil. 

É mais descomplicado escrever sobre o modo como vejo Portugal e os portugueses, quando lá vou de férias e o que mudou nestes vinte anos que passaram do que o contrário. Não é que me sinta um estrangeiro em Portugal, antes pelo contrário, a sensação é como vestir aquela camisola ou cobertor confortável que já não sabemos quantos anos tem mas que não tem par com nenhum outro. É de certo modo um pouco como viajar numa máquina do tempo porque tem a capacidade de nos levar instantaneamente a memórias e a outras décadas e como isto ou aquilo era e como mudou ou como permanece igual - o caso da oficina onde levávamos os carros da família e que está rigorosamente igual ao que estava há trinta anos... 

Hoje neva ligeiramente em Łódź numa promessa de um possível "White Christmas" como vemos nos postais de Natal ou nos inúmeros filmes de Hollywood e a Ceia de Natal não vai ter bacalhau, não se arranjou em lado nenhum para mal dos meus pecados; nem na cadeia de supermercados Biedronka que é portuguesa. E este ano vai ser substituído com umas belas postas de salmão e umas iguarias para recordar Portugal como vinhos portugueses, castanhas e até tremoços acompanhados de zupa grzybowa, pierogi z kapustą i grzybami, ryba po grecku e kapusta z grochem...

A típica mesa de Natal polaca

Mais uma vez renovados votos de Boas Festas e de muita Paz - mais do que nunca urge e é primordial em tempos de incerteza e instabilidade como aqueles em que vivemos.

Łódź, 22, 12 MMXXIII


sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Caleidoscópio - Polónia 2022 - Já dizia Bocage...

Política feroz, que sempre armada
De bárbaros pretextos,
À morte horrenda em lúgubre teatro
Dás vítimas sem conto,
Apoucas e destróis a Humanidade,
Afectando mantê-la.


No post do ano passado estávamos a saír de dois longos anos de pandemia (e pandemónio) com esperança num "regresso à normalidade" no ano de 2022.

Vislumbravam-se no horizonte nuvens escuras de tormenta vindas da Rússia e da Bielorrússia. Concentravam-se tropas da Federação Russa na fronteira Leste da Ucrânia e a crise de refugiados, na fronteira da Polónia com a Bielorrússia, esteve perto de se tornar numa escaramuça. Enquanto isso a União Europeia ponderava aprovar (finalmente) a abertura do gasoduto russo Nordstream 2 no Mar Báltico - essencial ao fornecimento de gás a países como a Alemanha, a Áustria, Benelux e a Itália. 

A Polónia e os países bálticos, conhecedores do modus operandi da Rússia em questões de dependência energética, haviam avisado repetidamente que era um mau princípio e iria, mais cedo ou mais tarde, fazer ricochete. Os poderes em Bruxelas e Berlim faziam orelhas moucas deixando os negócios com o gigante russo Gazprom to fly under the radar (voar por debaixo do radar - usando uma expressão norte-americana). O motorista tinha colocado um tijolo no acelerador e saltado da cabine enquanto o camião, desgovernado, seguia em direção a um precipício... 

A 24 de Fevereiro dá-se a dita "operação especial" de Putin para "desnazificar" a Ucrânia com o intuito de proteger a comunidade russa das regiões de Donetsk e Dombas. Uma história vil que já todos sabemos e acompanhámos; provocadora de clivagens, inimizades e corte de relações em alguns casos.

Na altura não tive ensejo de escrever neste blogue acerca da invasão da Federação Russa à Ucrânia. Não tive alento para contar e recontar a barbaridade que ocorria a pouco mais de mil quilómetros da cidade de Łódź. Família e amigos em Portugal e no Brasil preocuparam-se; contataram por telefone, pelas redes sociais perguntando como estávamos e até sugerindo que talvez fosse melhor abalar estrada fora em direcção à Península Ibérica. Ficámos por aqui, atentos aos acontecimentos mas sem temor, fazendo a vida normalmente, sem a trela e a mordaça em pano das restrições do Covid19. 

A pandemia amainava mas deixou sequelas e também tocou a família próxima polaca. Em Janeiro, com a neve a cobrir a Polónia, os dias curtos e sombrios e as temperaturas sempre baixas vimos partir a avó dos meus filhos, mãe e sogra, levada por essa maldita estirpe de gripe que foi implacável em alguém já debilitado pela avançada idade.

Viu ao longo dos seus 86 anos de vida este país a ser invadido em duas frentes era ainda uma criança. Passou décadas num regime socialista-comunista, pró-soviético que a bem ou a mal reergueu a Polónia da devastação da Segunda Grande Guerra. Rejubilou com o nascimento da filha e dos seus netos e, como a maior parte dos idosos polacos, tinha devoção pelo Papa João Paulo II, a Nossa Senhora e uma fé inabalável na Igreja Católica. Atravessou dois séculos que trouxeram mudanças profundas na sociedade polaca. Pessoas assim, quando partem, são também pedaços de História que se perdem para sempre. Reti algumas dessas histórias na memória, fruto de curiosidade em entender o que foi viver sob o jugo de um regime fascista e posteriormente um regime totalitário mas também como parte da aprendizagem do idioma polaco já que com ela não havia o conforto do inglês ou até do francês - o que até foi algo bom na realidade. Que descanse em paz e obrigado por tudo o que nos deu. 

E sem que se desse por isso, a Primavera chegou e é talvez um dos melhores momentos para apreciar nestas latitudes. Do frio, neve e gelo e dos tais dias curtos e sombrios passamos a uma explosão de verde com dias amenos intercalados de início com chuva, manhãs e noites gélidas com tardes afáveis, o cantar dos pássaros e o regresso dos patos, das andorinhas, das cegonhas e tantas outras aves migratórias enquanto os corvos se retiram rapidamente e repentinamente como que ofendidos pelo esplendor apenas para voltarem, de vingança, em finais de Setembro crocitando em desdém nas manhãs frias de Outubro. 

Esta Primavera foi diferente contudo. A invasão da Ucrânia em Fevereiro trouxe milhões de ucranianos à Polónia. Uns ficaram, outros foram para outras paragens, outros ainda regressaram. Ouvia-se frequentemente ucraniano e russo nas ruas. As escolas receberam crianças e adolescentes ucranianos, muitos deles separados dos pais ou órfãos. Campanhas de apoio aos refugiados, alojamento e emprego eram o prato do dia. Histórias de horror (muitas inenarráveis) foram contadas na primeira pessoa. Famílias separadas, desfeitas, sonhos, ambições e vidas que de um momento para o outro passaram a ser outras que, uns meses antes, ninguém imaginaria como viriam a terminar e a mudar mas também uma demonstração de coragem enorme senão gigantesca de um povo; uma determinação de não arredar pé da independência e lutar até ao fim seja de que modo for - em combate, em ajuda humanitária, militar, financeira, logística. No processo aprendemos ucraniano também; Slava Ukraini

Com o compatriota e amigo João, outro português na Polónia em voluntariado na Cruz Vermelha da Polónia - em auxílio à Ucrânia logo nos primeiros meses depois da invasão da Rússia. Impressionante a ajuda dada pelos polacos e a onda de solidariedade. 

A comunidade portuguesa na Polónia manteve-se e mantém-se serena enquanto a guerra ruge aqui ao lado; mesmo quando um míssil-antimíssil desavindo caiu em território polaco tirando a vida a dois malogrados agricultores numa terreola a Sul do território. Foi um momento de tensão em que o cenário que muitos receiam poderia tornar-se realidade, uma guerra total entre a NATO e a Federação Russa. É a Espada de Damocles todos os dias. Putin já jogou todas as cartas que tinha, já ameaçou o Ocidente com o uso das armas nucleares que fazem da Rússia um poderio bélico. Todos sabemos que agora só há o caminho da paz ou o da destruição total já que as ameaças se não forem cumpridas tornam-se apenas retórica.

 Inflacja 

Como consequência previsível da guerra na Ucrânia a inflação rapidamente chegou. Reflete-se em tudo. Nos bens alimentares, no combustível, na habitação e custos associados. As rendas da habitação passaram a valores absurdos especialmente nos grandes centros urbanos em grande parte devido à especulação e oportunismo com a vaga de refugiados - muitos deles entretanto regressaram ou foram para outros países - e com a quase incessante procura nos primeiros meses do ano. 

O conflito trouxe contudo lições e mudanças no poder dos países. A UE e sobretudo a Alemanha ficaram a saber que depender energeticamente da Rússia é catastrófico e países como a Polónia, Roménia e os Estados Bálticos são agora vistos como primordiais na defesa e estanquicidade das fronteiras da NATO e da UE a Leste do continente. O Eixo - Alemanha, França, Reino Unido foi profundamente abalado com o Brexit e com a guerra na Ucrânia. O dito "Leste" europeu não pode ser visto apenas como uma amálgama de países que outrora foram países-satélite da URSS mas sim como parte essencial para a estabilidade do velho continente. 

Vimos em 2022 partir figuras de craveira do século XX como a Rainha Isabel II e mais recentemente Pelé e tantas outras celebridades como Jô Soares e a cantora Linda de Suza conhecida pela famosa Mala de Cartão e o "salto" para França, fugindo das agruras de um Portugal em ditadura. A vida tem destas coisas, na altura vi o filme biográfico sem imaginar que, também eu, seria um emigrante ainda que em circunstâncias completamente díspares. 

Tenhamos esperança num 2023 em que o bom senso e a paz sejam obtidos finalmente. Um bom ano para todos!

A guerra total não é mais a guerra travada por todos os membros de uma comunidade nacional contra os membros de outra. É total... Porque pode muito bem envolver o mundo inteiro. 

Jean-Paul Sartre



 





















sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Boas Festas e 'Vésauêx Chviont'

Votos de Boas Festas (é facílimo de dizer em polaco 'Wesołych Świąt') para todos os que acompanham o blogue, amigos e familiares!


Aqui estamos com o Natal à porta num ano complicado onde a guerra, inflação (escreverei mais sobre isso no próximo post) e resquícios da pandemia continuam bem presentes. É difícil mas não impossível escrever sem mencionar este autêntico 'triunvirato' (guerra, doença e crise económica).

Os dilemas do queijo (e não só)

400 gramas de queijo fatiado Gouda ou Edam (esqueçam o flamengo que isso é lá em Portugal) nos supermercados Biedronka ou Lidl passaram a ter o preço de queijo gourmet sendo que o sabor e a qualidade do mesmo é relativa; podemos por exemplo cortar as fatias duas vezes para que pareça haver mais queijo e ao mesmo tempo comer menos de cada vez ou então pensar que se está a comer mais... A carne, peixe, legumes, frutas, massas, óleo alimentar estão 'pela hora da morte' e até o papel higiénico - esse ouro durante a pandemia! - subiu para níveis tais em que agora até limpar o rabo sai caro - desculpem o vernáculo meus caros leitores...

Sacudir a pistola até à última gota na bomba de gasolina (porque uma gota dá para 10 metros talvez) é cada vez mais visto e eu próprio admito que o faço sem qualquer desplante e com aquela satisfação de dever cumprido! Com a eletricidade, ao preço que está, talvez seja boa ideia o regresso aos candeeiros a azeite - apesar de esse também estar a um preço ridículo e, como tal, nem sequer seria viável como em 1922. Verdadeiros dilemas onde a expressão portuguesa "a necessidade aguça o engenho" faz cada vez mais sentido.

Na República da Polónia o aquecimento de muitos lares, sobretudo em áreas urbanas, é feito com água quente vinda das centrais chamadas de elektrociepłownia as quais geram electricidade pela combustão do carvão - abundante na região da Silésia e motivo pelo qual as ameaças russas a nível energético não tiveram muito impacto. Essa água, canalizada a temperaturas elevadíssimas, é utilizada em torneiras de água quente e nos aquecedores. Quem não tem aquecimento central tem lareira, salamandra ou caldeira e não é incomum nesta temporada as chaminés expelirem fumo negro ou branco que não fica nada a dever á eleição do Papa. Por vezes cheira a lenha, outras a pneu ou mesmo a lixo queimado. Existem leis para que não se queime lixo ou plásticos mas fazer cumprir a mesma é outra história...

Brincadeiras à parte vivemos no luxo e quando temos no país aqui ao lado mais de 10 milhões de lares sem energia eléctrica, sem gás, sem aquecimento com temperaturas negativas, sem água canalizada e uma população quase sem acesso a supermercados temos de parar para pensar e refletir como somos tantas vezes ingratos; parar para refletir nos queixumes que fazemos, muitas vezes só porque sim. Deveríamos, isso sim, apreciar e saborear aquilo que temos de bom na vida, na paz que usufruímos, na tecnologia que nos permite estar em contato e até ver todos os dias familiares a milhares de quilómetros, estar perto daqueles que amamos e que nos querem bem, em poder dormir tranquilamente com um aquecedor a irradiar calor enquanto lá fora cai neve.

E já que mencionei saborear mais acima o tal queijo fatiado não tem nem de perto nem de longe o sabor de uma bola de queijo Flamengo português. Ó saudade...
















































sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Caleidoscópio - Polónia 2021 - Annus Horribilis (interminabilitatem)

Groundhog Day ou o Feitiço do Tempo, o filme de 1993 com Bill Murray como protagonista. Alguém se recorda? Um meteorologista presunçoso fica preso no mesmo dia vezes e vezes sem conta? Assim parece ser o nosso quotidiano desde finais de 2019. Nota-se que já vivemos num mundo diferente daquele que conhecemos antes do Covid19 mas creio que todos, sem exceção, estamos cansados de debatar este assunto. Muito mais está a acontecer ao nosso redor, nem só de pãoCovid19 vive o Homem... 


Brexit e Polexit? 

Rule, Britannia! Britannia, rule the waves! Britons never, never, never shall be slaves

"Governa, Bretanha!, governa as ondas! Os britânicos nunca, nunca serão escravos". Bateram a porta da União Europeia porque querem ou porque podem? A resposta serão as duas opções, porque queriam (uma parte dos britânicos que votou no referendo) e porque podem, são uma economia forte e um país que, a bem dizer, esteve na União Europeia mas sempre com um pé de fora, quer pela moeda da qual nunca resignaram quer pelo facto de nunca sequer terem aceite ser parte do Espaço Schengen, usarem o sistema imperial, tomadas de eletricidade diferentes, conduzirem do lado esquerdo da estrada e beberem chá a toda a hora... 

A Polónia do PiS de Mateusz Morawiecki e Andrzej Duda sob o escrutínio da eminência parda Kaczyński parece querer um rumo independente dos ditames de Bruxelas e dos acordos que foram assinados para fazerem parte da "família europeia". 

Somos europeus 

Não á UE

O desafio surgiu em Outubro quando o Tribunal Constitucional polaco decidiu que algumas leis da União Europeia não eram compatíveis com a Constituição polaca. Em outros posts deste blogue já tinha mencionado o atrito entre o partido no poder; conservador, arreigado a tradições e moral católicas que, alegadamente, representam os "valores" da Polónia e os grupos que sentem diariamente discriminação como a comunidade LGBTQ, as mulheres (e homens) polacos que não se revêm na atual lei do aborto, regulação de anticoncepcionais além da clara mordaça aos média que não alinham com a crescente instrumentalização dos meios de comunicação social em prol dos ideais do PiS. Contudo 


Andrzej Duda, o Presidente polaco vetou recentemente a polémica lei sobre os média que limitaria a propriedade dos mesmos existirem ou serem financiados com capital estrangeiro. Não se sabe ainda a reacção de Kaczyński. 

A resposta de Bruxelas no entanto atingiu diretamente os cofres do estado com a suspensão de ajudas para a pandemia no valor de 36 biliões de euros. Morawiecki respondeu com uma clara mensagem que chantagem não será o modo de resolver esta polémica que,  entretanto, esfriou a partir do momento em que a fronteira de 400 Km com a vizinha Bielorrússia se tornou um problema ainda mais grave para a Polónia e para a estabilidade política e territorial da União Europeia. 

Os guardas das fronteiras Leste da União Europeia


Durante décadas, no século passado, a Alemanha Ocidental, então denominada de RFA (República Federal Alemã), era o limite territorial do denominado 'mundo-livre' com a 'Cortina de Ferro' que constituía os países-satélite da então gigantesca URSS e aqueles do Pacto de Varsóvia. 

Dentro da RFA tínhamos Berlim - em enclave - o qual viria a ser o símbolo do colapso do Socialismo-Comunismo no Centro e Leste Europeu. Com a adesão da Polónia à UE em 2004 o 'testemunho' foi passado para este país da Europa Central. Agora as fronteiras alargadas passavam a ter a Polónia e posteriormente a Estónia, Letónia e Lituânia como tampão para a Federação Russa e os países das novas independências como a Bielorrússia e Ucrânia. 

Como tal lidar com a Federação Russa a nível geopolítico, estando a Polónia e parte da Europa dependente energeticamente do gás providenciado pelo gigante russo Gazprom é ter de agradar a gregos e a troianos, agravado ainda com a sempre tensa relação entre a NATO, Rússia e Estados Unidos - e ao mesmo tempo assegurar que eventos passados como uma invasão ou guerra não voltam a ocorrer são um fardo pesado e custoso. 

Putin frisou várias vezes não querer a NATO a expandir para Leste e recentemente o apoio em material militar dado pela Aliança Atlântica à Ucrânia, justificado pela concentração anómala de tropas russas na fronteira Leste desse país vizinho da Polónia parece poder causar um potencial retorno de uma Guerra Fria (V.02) e um vislumbrar da Ucrânia como membro da NATO...

O líder da Bielorrússia, Lukashenko, ripostou com uma crise humanitária às portas da UE depois das sanções económicas impostas pela UE, Reino Unido, Canadá e Estados Unidos pela cavalgante ditadura que se vive naquele país, especialmente na sequência do desvio de um voo da Ryanair com destino a Vilnius para Minsk de modo a encarcerarem um jornalista (Roman Protasevich) que veemente se mostrava contra o regime de Alexander Lukashenko. 

Esta crise fronteiriça elevou ainda mais o já exacerbado patriotismo em parte da sociedade polaca. Nas redes sociais em resposta ao vídeos onde se vê a polícia polaca a responder com gás lacrimogéneo e canhões de água a tentativas de corte e trespasse das barreiras fronteiriças surgem frases como Polska góra (Polónia em grande!), Murem za polskim mundurem (Muro com uniformes) e até TikTok's, vídeos no YouTube, Twitter etc com jovens polacos a mostrarem a sua Książeczka Wojskowa ou seja, a cédula-militar; prontos a irem combater pela pátria caso fossem chamados. Uma certa histeria, fruto de excesso de informação, contexto histórico de invasões e perda de independência do país (a última prolongou-se por 123 anos) e patriotismo levaram a tal situação. 

A Polónia respondeu rapidamente, sem ajuda externa, contendo diáriamente provocações do exército bielorusso tais como tentativas de ofuscar e cegar os soldados e autoridades polacas com luzes potentes e lasers, fornecimento de utensílios de corte de arame farpado aos refugiados e emigrantes, despejo de emigrantes e refugiados ao longo da fronteira incluindo com a Lituânia.

Entre estes 'jogos de guerra' ficam seres humanos - refugiados, migrantes-económicos ou o que seja que os levou a tentarem uma vida na União Europeia - sujeitos a temperaturas negativas, vaguearem na floresta de Białowieża sem conhecimento da mesma, hipotermia, má-nutrição, casos de morte, maus-tratos e incerteza sobre o futuro. Os rigores do Inverno levaram a que (finalmente) se abrigassem os refugiados em campos de refugiados do lado bielorusso. A crise contudo está longe de ser resolvida, quando muito estará ao ralenti até que chegue a Primavera ou até que hajam negociações sérias e eventualmente uma mudança democrática na Bielorrússia. Mesmo assim continuam a haver refugiados e emigrantes ilegais a tentarem a sua sorte rumo à Alemanha. 

Veremos o que nos trará 2022. Como disse em tempos João Pinto, o capitão do Futebol Clube do Porto: Prognósticos só no fim do jogo...








quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Boas Fests a todos os leitores!

 Não, não é um 'typo' escrevi mesmo Boas Fests em vez de Boas Festas

Como diria o saudoso jornalista Baptista Bastos; "recordo numa ocasião..." em Vila Nova de Famalicão, nos anos oitenta, na então chamada Loja do Crocodilo (sim, tiveram durante anos um crocodilo vivo na montra - que foi crescendo até finalmente ir para o jardim zoológico) alguém escrever, com aquela espuma a imitar neve, o tal Boas Fests. O autor apercebeu-se que, não havendo espaço para a letra A teria de cortar a palavra mas a mesma deveria fazer sentido, ficando Boas Fests para gáudio de muitos que por ali passavam, excepto o pobre crocodilo e eventualmente Luís Vaz de Camões... 


Desejo a todos os leitores e amigos um Feliz Natal e próspero Ano Novo, fazendo um mea culpa pela escassez de posts neste blogue já que à medida que os anos vão passando o mesmo dilui-se apenas num português na Polónia que já se sente estrangeiro no seu próprio país, ainda que não seja Um Polaco em Portugal... 

Assim foi este Verão com a "visita de médico" que fiz a Vila Nova de Famalicão (conterrâneos não levem a mal mas foi apenas uma semana e espero que hajam mais oportunidades para uma jantarada épica depois da pandemia) onde já não ia há muitos, muitos anos - costumo ficar lá na 'outra banda', no Sul quando regresso à pátria. 

Famalicão será sempre aquele cantinho no coração, a "terrinha" onde tantas memórias e histórias estão, onde amizades se prolongam para lá de décadas - muitas delas aqueles e aquelas que tinha o número de rede fixa na lista de telefones na carteira - continuam até ao fim dos dias,  certamente. O que foi feito de fulano? E sicrano? Pergunto. O Sr. X morreu, a Dona Y foi para um lar, o Carlos vive na Suíça há muitos anos e ao recordar estas pessoas lá vem um desfile de memórias, de histórias com eles, como dizem os americanos a trip down memory lane.

Na garagem do prédio na rua João Paulo II (é verdade a rua onde vivia tem o nome do Papa polaco) ainda é visível na parede a marca do pára-choques cromado do Fiat 128 Sport Coupé que tantas alegrias (e arrelias) me (nos) deu; o meu pai gostava de dar aquele encosto na parede, deixando espaço para o Fiat 127 e mais tarde o VW Golf do vizinho, o Sr. Tanque com o qual ainda hoje e com proveta idade vai-me dando os parabéns no Facebook e eu a ele.
 
O Fiat já não existe há quase trinta anos e o pai já cá não está fazem quase vinte mas a marca de coisas do passado tal como objectos que nem me recordava ter guardado em gavetas como as chaves do carro com um porta-chaves ridículo (um extraterrestre amarelo de olhos vermelhos), o botão da buzina, o manual de instruções e uma lista de peças substituídas tal que já não havia mais espaço para escrever, o painel de instrumentos da marca Veglia Borletti e a minha colecção de bandas desenhadas feitas por mim nos anos oitenta e noventa que agora estão, finalmente, com o autor na Polónia.


A cidade sempre a evoluir deixando velhos prédios e casas que pararam no tempo coexistirem entre ruas novas e parques (como o fantástico Parque da Devesa), prédios modernos destacam-se pela altura e há novos arruamentos em locais onde na minha infância e adolescência haviam apenas campos de cultivo e pasto, bosques ou terrenos baldios (bouças como dizemos lá no Norte).

Por uma questão de nostalgia fui revisitar o Restaurante Snack-Bar Dragão onde se comiam saborosas francesinhas e cachorro com molho de francesinha. Já não está no mesmo local, o original encontra-se entaipado, abandonado e decrépito junto com uns prédios construídos ao lado para minorias étnicas. O novo local fica numa espécie de armazéns perto do estádio de futebol do Famalicense Atlético Clube. 

O Dragão, do Sr. Matos, era ponto de paragem na adolescência - quando se sente fome até depois de comer. A meio da tarde os garotos dos anos oitenta iam em magote para as "máquinas" que agora chamam de Arcade Games, gastar uma moeda de vinte e cinco escudos no jogo preferido como o Bubble Bobble, Tetris e, no meu caso, simuladores de corridas onde passava pelo menos uma hora ao volante a jogar. Na volta o Dragão ficava a caminho e o típico cheiro que emanava da chaminé de alumínio abria o apetite para degustar uma "frãocezinha com batata" ou um suculento "cachorro à Dragon". Do actual Dragão ficou apenas o nome, o dono trespassou há bons anos, assim foi-me dito quando perguntei pelo paradeiro do Sr. Matos. Dos tempos do original resta apenas alguma parte da decoração e, atirado numa esquina, um Peugeot 205 XAD abandonado que em tempos foi usado pelo dono.

Mas o progresso é assim mesmo, progressa! Famalicão avança não fossem as gentes do Minho serem enérgicas tal como o folclore regional, o Vira do Minho, rítmico, bailado, estalando os dedos e rodando de modo estonteante. Famalicão reflete bem esse bailado, essa dinâmica. Zonas periféricas como a freguesia de Gavião estão hoje em dia tão próximas da cidade que parece surreal em tempos ter calcorreado a estrada nacional para lá ir a casa de um amigo, como se fosse sair do centro urbano para uma aldeia. A via de cintura interna abraça muitas das freguesias circundantes, outrora alcançáveis apenas por Estrada Nacional e Regional aos zig-zag, ultrapassando ou ficando atrás de camiões e autocarros. Estas infraestruturas dão agora acesso a auto-estradas e vias-rápidas que levam os famalicenses a capital de distrito, Braga, ao Porto, Guimarães, Póvoa de Varzim e Vila do Conde e de volta em pouco tempo. Foi bom revisitar o passado em Vila Nova de Famalicão mas muito mais há para contar, quiçá noutro post mais adiante.

E assim, avançando nos anos vinte do século XXI, continuamos com uma evolução na continuidade de mais um Natal com restrições e onde muitos de nós, provavelmente, já com o 'boost' (estilo turbo no motor para dar mais frisson) da Pfizer, Moderna ou Johnson & Johnson; outros a terem de fazer testes antigénicos e toda a parafernália de 'passaporte Covid' para irem à terrinha durante o Natal, máscara, desinfectantes. E uma nova dinâmica de trabalho (teletrabalho) e telescola. Outros ainda recusam terminantemente a vacina e tudo o que é exigido em nome da saúde pública. Creio que no futuro poucos recordarão estes anos com nostalgia, estamos todos confusos, exaustos e ainda mais para aqueles que têm entes queridos em hospitais sem os puderem visitar (por vezes até ao fim), a situação é ainda mais dramática - para os doentes e para a família.

Um grande bem haja para todos os leitores e seguidores deste blogue. Boas Festas! Com o A que neste espaço cabem todas as letras. 




quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Caleidoscópio - Polónia 2020 - O Annus Horribilis

2020, o ano da pandemia, das máscaras do confinamento, do distanciamento social, do tele-trabalho (para muitos), das restrições e da milagrosa vacina. Torna-se tarefa difícil "dourar a pílula" deste ano que chega ao fim. Na Polónia foi também o ano de mais uma vitória, à tangente, do partido conservador PiS e também de convulsões sociais, ainda presentes, na sociedade polaca. 2021 está quase a chegar, será um Annus Mirabilis ou uma repetição do anterior ao estilo do filme Groundhog Day? Veremos...



Seria tedioso, no mínimo, escrever sobre o Covid19, a Pandemia, as restrições, os novos termos como distanciamento social e os dramas diários das máscaras (que constantemente embaciam os óculos daqueles que tem a vista fraca como o autor destas linhas) ou de muitos que as penduram no espelho retrovisor do carro, usam-nas por baixo do nariz ou até se recusam a colocar as mesmas porque isto é tudo uma treta e eu é que decido... Como dizem os franceses, c'est la vie mas recordemos que também dizem ferme ta gueule! que é um cala a boca com mais classe e estilo do que o comum shut your mouth! da língua franca ou o mais polaco e eslavo zamknij mordę (cala o focinho)...  

Czarny Protest (Protesto em Negro)


O movimento czarny protest - que não tem nada a ver com as manifestações do BLM nos Estados Unidos - foi mencionado neste blogue aqui mas apesar da decisão estar em águas de bacalhau depois de contínuos e determinados protestos e, pela primeira vez, ataques às igrejas, algo impensável num dos países mais católicos e com a maior percentagem de igrejas por Km2 de toda a Europa, continua bem presente e não vai parar num autêntico braço-de-ferro entre a Polónia conservadora, católica e aquela mais progressista, liberal. Uma Polónia antagônica onde não se consegue vislumbrar um consenso a curto ou a médio prazo.

2021 promete uma continuidade dos protestos e um descontentamento, senão mesmo um ódio figadal ao PiS e à figura de proa do partido conservador, Jarosław Kaczyński. 


A Polónia pós Donald Trump 


O Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, considera que foi roubado nas eleições de Novembro, a vitória de Joe Biden não é uma vitória mas sim usurpação. O governo i.e. o PiS é considerado por muitos polacos da oposição como lambe-botas da administração Trump ao ponto de Andrzej Duda, o Presidente da Polónia, ter prometido a construção de uma base militar, Fort Trump, no Norte do país - o nome não foi aceite por os EUA por ser manifestamente uma demonstração de grandiosidade - mas ficou assim conhecido. A Polónia vê a aliança com os americanos como uma armadura contra os vizinhos de Leste, a Federação Russa, enquanto reforça a sua importância, no ensejo de tornar vital, no seio da NATO. 

Os parabéns ao novo Presidente, Joe Biden, foram dados tardiamente - tal como o fez Vladimir Putin...


Parabéns a JoeBiden pela bem sucedida campanha presidencial. Enquanto esperamos a nominação pelo Colégio Eleitoral a Polónia está determinada em continuar uma aliança  estratégica de alta qualidade entre os Estados Unidos e a Polónia para uma aliança  ainda mais forte. 




A malta quer é voltar aos copos, churrascos e forrobodó

Meses a fio de confinamento e restrições levaram ao encerramento de muitos espaços públicos como restaurantes, bistrots, pubs e clubs. Muitas festas continuam dentro de paredes entre amigos e conhecidos, pares, casais e apenas no pico do Verão e durante as eleições  houve algum relaxamento que levou posteriormente a novas medidas de controle.
O povo polaco adora um bom churrasco ao ar-livre assim que o tempo permite, de preferência com as tradicionais salsichas polacas - kiełbasa e kaszanka - grelhadas na brasa, as espetadas (szaszłyk) regadas a cerveja (muita) ou mesmo vodka. É uma oportunidade para os homens mostrarem como sabem virar as salsichas, os pimentos e os cogumelos, manter o grelhador e as brasas no ponto onde, numa típica tarde soalheira tudo é feito ao som de canções disco polo (tipo os nossos cantores azeiteiros mas num estilo discoteca anos 90) enquanto o volume vai aumentando à medida que o álcool é consumido e o pessoal está-se nas tintas para os protestos do vizinhos até  passar das 10 da noite e chegar à porta a station Kia Ceed da Policja, por vezes ocorre uma cena de pancadaria entre dois machos mas no dia seguinte e como ninguém se recorda (ou não quer recordar) a vida continua. Quem aqui vive sabe que no que toca ao vodka é tarefa hercúlea acompanhar os polacos (e as polacas!) nos copinhos de vodka e monumentais bebedeiras com consequências por vezes imprevisíveis podem acontecer...



DISCO POLO "GRILL SONG" - Ziomuś z Psar ( Hardkor Disko Samer Dens 2013 ) - um mergulho no mundo dos churrascos ao ar-livre polacos - com os devidos exageros claro...


O malfadado vírus serviu de freio a muitos destes hábitos senão tradições polacas e prêve-se que havendo "cura" o pós-Covid19 será um rebentar de excessos mas a realidade é que o novo "normal" não será nunca mais como o anterior...

A todos os meus leitores votos de um excelente 2021! 




quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Piekło Kobiet (Piequó Cobiet) ou o Inferno das Mulheres

 O homem nasce livre e em toda parte está acorrentado. Aqueles que se julgam senhores dos outros são de facto maiores escravos do que eles. Jean Jacques Rousseau no século XVIII 



 


Evito a todo o custo ter de escrever o nome Jarosław Kaczyński, não gosto do homem, do partido dele, dos seus ideais e da Polónia  que ele representa, ou quer representar, e em geral dos seus apoiantes, respeito a decisão deles e aceito-a pois esse é o pilar de qualquer democrata, rejubilar na Vitória e aceitar a derrota. Actualizar o blogue escrevendo sobre este personagem da História contemporânea polaca é "porque tem de ser". 

Desde o início desta última  semana de Outubro, entre um novo surto da pandemia e o regresso ao confinamento, o Tribunal Constitucional da Polónia decidiu levar a aprovação no Sejm (Parlamento) a proibição quase total do aborto que, assinale-se, já era restrita a casos de defeito do feto, risco de vida da progenitora, violação e incesto.

Esta decisão política foi tomada em pleno surto do Covid19, entre alertas via SMS do "ALERT RCB" (Proteção Civil) quase diários alertando os cidadãos para ficarem em casa e acederem a aplicações e páginas governamentais sobre a pandemia incluindo uma nova aplicação denominada STOP COVID que, consta, nem foi considerada segura por empresas de segurança informática. 

As reações foram imediatas e piores (para o governo) daquilo que se imaginava. As mulheres polacas ficaram incrédulas, lívidas, com a audácia dos juizes do Tribunal Constitucional e com o plano, viscoso, do PiS em ir avante com esta decisão numa altura em que a pandemia toma proporções graves com o regresso ao uso de máscara na via pública, escolas e instituições fechadas e o número de infetados que aumenta esponencialmente à medida que os testes se fazem com mais frequência.

 

Elas saíram à rua imediatamente

 

Envergavam cartazes e banners com dizeres, muitos deles com insultos, como wypierdalać (vão-se foder) e muitos outros a insultar o PiS, Jarosław Kaczyński, ministros e senadores do partido conservador. Nunca se tinha visto algo assim, insultos, calão, escárnio. É mais do que um protesto, é um não se poder mais, é ter de se abrir uma janela para entrar ar fresco, uma tensão no ar como aquela que tantos portugueses tinham dentro de si até chegar o dia 25 de Abril e se poder gritar a plenos pulmões sem receio, sem querer saber de quaisquer consequências: Liberdade sim! Fascismo nunca mais! e O povo unido jamais será vencido!

 

O canal estatal tentou não dar grande importância aos protestos focando-se na pandemia e focando o quão maus são os manifestantes  enquanto nas ruas de Varsóvia, Cracóvia, Poznań, Gdańsk, Łódź, Wrocław e outras cidades os protestos não paravam,  não param. Juntaram-se homens às mulheres, os taxistas também se fizeram ouvir e posteriormente em algumas cidades a própria polícia baixou a guarda e juntou-se aos manifestantes. Nas redes sociais às fotos de perfil acrescentaram-se um relâmpago vermelho, símbolo deste movimento e da luta das mulheres polacas pelos seus direitos numa guerra para combater o piekło kobiet - o inferno das mulheres.


As catedrais foram pela primeira vez na História da Polónia alvo dos protestos com missas interrompidas havendo mesmo confrontos com os fiéis. Estas tornaram-se lugar de passagem dos manifestantes tal como as sedes do PiS (como na imagem acima). 

Rapidamente o "Exército de Deus", os "Escravos de Maria" - elementos da Extrema-Direita polaca mobilizaram-se, instigados por Kaczyński e os seus verdugos, colocando-se estes em frente das portas, barrando os potenciais invasores. Alguns dos que protestavam foram agredidos sem que a polícia se incomodasse em resolver alguma altercação. Tudo numa cumplicidade a recordar os Camisas Negras de Mussolini que davam pauladas na oposição a mando do Duce de Itália ou a génese do Nacional Socialismo alemão com as SA que destruíram os pontos de comércio dos judeus espancando-os nas ruas, espalhando o terror, criando bode-expiatórios para os problemas graves que infligiam a nação alemã no pós-Tratado de Versalhes. 


 
Kaczyński não esperou a oportunidade para aparecer nos média. Com um aspecto cansado, mãos pálidas colocadas na mesa, um pin na lapela com o símbolo da resistência polaca, a kotwica (âncora com um P) - foi posteriormente severamente criticado pela ousadia - e três bandeiras da Polónia no fundo. Apelou, num discurso incendiário, ao combate àqueles que estão a atacar as igrejas e os valores polacos que estão a ser destruídos - zniszczony (destruídos) - palavra usada várias vezes ao longo do discurso. 


Mais manifestações são esperadas nos próximos dias e o apelo de Kaczyński não surtiu o efeito desejado. Muitos dos ultras do futebol polaco que supostamente dariam cobertura à guerra-civil instigada por o Pan Prezesie (chefe) não reagiram e inclusivamente mostraram-se contra o governo sobretudo contra o presidente do PiS enquanto o Primeiro-Ministro polaco, Andrzej Duda, infetado com Corona, disse brevemente, senão timidamente, que "compreende as mulheres". Assinale-se que a sua filha e a Primeira-Dama claramente se mostram contra. 

Os próximos dias trarão mais novidades, está tudo em aberto. 


 

 










quinta-feira, 2 de abril de 2020

O mundo, Europa, Polónia e Portugal no Estado de Emergência (Covid19)


Cem anos atrás temia-se a Gripe Espanhola que havia começado em 1918 devastando o mundo ao longo de 1919 e 1920 quando, alegadamente, a estirpe mais perigosa do vírus cessou, junto com os que morreram dela. O Influenza mutou para um tipo tratável numa era em que a Aspirina ainda só estava no mercado, patenteada pela alemã Bayer, há vinte anos. Patente essa que se perdeu, no Tratado de Versalhes como recompensa pelos danos da Primeira Guerra Mundial.
Saltamos um século, estamos no início de 2020, e as semelhanças são, por vezes, aterradoras. Em cem anos a Humanidade evoluiu tecnologicamente para um nível nunca antes visto mas mesmo assim ainda continuamos à mercê da Mãe Natureza.

Algumas pessoas apercebem-se agora em como estavam viciadas em estarem ocupadas.

Mais de cinquenta milhões de óbitos foi o resultado da pandemia do vírus Influenza ou Gripe Espanhola - apesar de não ter origem nesse país da Península Ibérica - entre os anos de 1918 e 1920.
Entre o rescaldo do conflito mundial de 1914-1918 o mundo tinha de lidar novamente com mais mortes, de todas as idades, raças e escalões sociais, ninguém foi poupado sendo a tecnologia e tratamentos na época ainda básicos senão rudimentares. 
A Aspirina patenteada em 1899 pela firma alemã Bayer estava ainda no princípio e a descoberta da penicilina por o Dr. Alexender Fleming só seria revelada em 1928. O rádio ainda estava nos primórdios; nem vinte anos haviam passado desde as primeiras emissões radiofónicas  e o mundo ainda estava muito longe da denominada "aldeia global" que a Internet proprorciona.

1920 - foto digitalizada e colorida tirada durante a pandemia do vírus Influenza ou Gripe Espanhola.
2020 - Cem anos depois as semelhanças são surpreendentes com a exceção dos veículos e da tecnologia empregue na vestimenta conhecida como Hazmat Suit (uniforme Hazmat).

Quarentena em 2020

Ásia, Europa, Américas, África e Oceania tomam medidas para conter os contágios, uns países mais do que outros, líderes mundiais apelam ao bom-senso, uns mais responsáveis, outros irresponsáveis e por vezes energúmenos como o Presidente Jair Bolsonaro no Brasil ou o Presidente mexicano Andres Obrador, o primeiro com declarações como o Covid19 ser apenas um "resfriadinho" ou uma "constipaçãozinha" para a maioria das pessoas deixando ainda a nota que ele, sendo no passado um atleta, não sentiria sintomas caso fosse contaminado ao passo que Andres Obrador mostrava dois amuletos de cariz religioso que o protegem do vírus sendo mais tarde filmado a dar um passou-bem a uma idosa de noventa e muitos anos, mãe do El Chapo, um dos mais temidos traficantes de drogas mexicano...


O Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro referia há pouco mais de uma semana que pela sua "condição de atleta" o Covid19 seria sentido por ele como um "resfriadinho", uma "constipaçãozinha" e que o país não terá necessariamente de tomar medidas de encerramento já que o que será necessário conter é a histeria em massa, culpando os mídia brasileiros pela mesma. Uma semana depois o discurso já é outro, mais moderado, face ao evoluir da situação de Pandemia no Brasil, um país que é praticamente um sub-continente com mais de 210 milhões de habitantes - cerca de metade da população da União Europeia (445 milhões).

"O coração de Jesus está comigo" diz Andres Obrador, o Presidente do México. Amuletos de cariz religiosos protegem as pessoas de todos os males, incluindo esta pandemia. 

A liberal Suécia, ao contrário do resto do continente europeu continua sem grandes ações de lockdown (estado de emergência) e só recentemente, no início de Maio, começam ações de prevenção após um número elevado de casos no país o que parece estar a enfurecer a população. Será este um caso de levar o "Politicamente  Correto" até níveis absurdos como prejudicar a própria população? Nas próximas semanas saberemos se o método sueco resulta ou não. 

Portugal

Portugal, "esse jardim da Europa à beira-mar plantado" e a "ditosa pátria minha amada" parafraseando respetivamente o poeta Tomás Ribeiro e Luís Vaz de Camões, gere a situação como a maior parte dos países europeus com a agravante de ter fronteiras com a Espanha que, neste momento, se encontra num estado gravíssimo de pandemia.


O Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa e o Primeiro-Ministro António Costa anunciaram uma extensão de quinze dias ao Estado de Emergência com efeitos ainda mais restritivos e punitivos entre casos de desobediência civil, negligência e exceções - como as feiras - e outros mais mediáticos como o caso dos passeios na Avenida dos Banhos na cidade costeira minhota da Póvoa de Varzim, ou as filas para atravessar as pontes que ligam a capital portuguesa aos destinos balneares dos lisboetas, entre outros casos de desleixo por parte de alguns portugueses que, felizmente, não espelham a maior parte dos meus concidadãos que entendem a necessidade de quarentena para reverter o cenário atual, o número de contágios e falecimentos. 

Polónia

Com uma população de 38 milhões de habitantes e mais 20 milhões em diáspora a Polónia foi dos primeiros países a entrar em lockout e a decretar Estado de Emergência com o fecho de escolas, creches, instituições e repartições públicas quando os números ainda estavam na casa das centenas, números esses que foram aumentando à medida que as semanas passavam, principalmente na capital Varsóvia e em Łódź, uma cidade que tem vindo a conhecer um crescimento exponencial nas multinacionais que procuram uma força de trabalho especializada e disponível a um custo relativamente baixo em comparação com outras cidades polacas como Cracóvia e Poznań.

Os estudantes polacos agora têm aulas através da Internet, o que viu as vendas de material informático dispararem em tempos de contenção e incerteza. Muitos professores de um tempo em que não haviam computadores e ainda com uma mentalidade algo cristalizada relativamente ao ensino, encontraram agora novos desafios. A informatização apanhou de surpresa pais, alunos e professores.

Do mesmo modo que o Covid19 alterou o sistema de ensino também obrigou muitas empresas, sobretudo corporações, a deslocalizarem os seus colaboradores para aquilo que em língua inglesa se denomina de Home Office (trabalho a partir de casa). Outras empresas tiveram de suspender atividades e mesmo dispensar pessoal. Nas fronteiras a Leste, com a Ucrânia e a Bielorrússia sobretudo, o movimento migratório aumentou a partir do momento em que determinada mão-de-obra não-especializada, feita por muitos imigrantes desses países foi dispensada. É notório um abrandamento da economia a atingir sobretudo os negócios familiares e as pequenas e médias empresas levando a uma outra muito provável crise, desta vez de cariz económico já que todos os indicadores apontam para uma recessão económica com as consequências nefastas que sempre acontecem quando a economia abranda e o desemprego aumenta exponencialmente.


As eleições de 10 de Maio

A Internet polaca nao perdeu tempo com memes de Jaroslaw Kaczyński

"Se a situação melhorar em finais de Abril - e as crianças regressarem à escola - não vejo motivo para cancelar as eleições" disse Bartlomiej Wroblewski um deputado do PiS, o partido no governo. Mais uma vez o partido no poder causa polémica e mesmo revolta entre a classe política e o eleitorado. As eleições de 10 de Maio deveriam ser adiadas por um ano tendo em consideração a pandemia que se vive neste momento.

A Polónia, por exemplo, apesar das medidas de emergência não é dos países com maior percentagem de testes realizados para determinar infeções com Covid19, os números atuais (em crescimento) e as cada vez mais restritas medidas de contenção dos contágios refletem precisamente a necessidade de evitar situações que potenciem o risco de haver mais casos, como seja a deslocação de pessoas para votarem.

O maior problema de haver deslocações às urnas (isto soa extremamente irónico nos tempos que correm) são precisamente os idosos, o grupo de maior risco do Covid19 que constituem também a esmagadora maioria dos votantes do PiS e leais seguidores de Jarosław Kaczyński e do seu partido, Lei & Justiça. Como tal foi sugerido o voto por correspondência já que a Internet não se apresenta como solução viável para os idosos polacos que, maioritariamente, não têm sequer uma ligação à rede ou mesmo um computador. Desse modo os emigrantes polacos deixaram no ar a questão de como se podem deslocar às urnas e formarem filas quando nos seus países de emigração estão em curfew (estado de emergência ou estado de sítio).
Ainda não há certezas de nada mas, como afirmou sobranceiramente o presidente Andrzej Duda; "se há condições para se ir ao supermercado, então também há condições para se ir as urnas".


Fotoblog




Merda em polaco nas traseiras do supermercado Netto. Alguém não parece estar conformado com a situação atual. 


Nos primeiros dias de Estado de Emergência o papel higiénico foi um dos primeiros produtos a desaparecer das estantes nos supermercados, um pouco por todo o mundo. Neste imagem, no supermercado Biendronka do grupo português Jerónimo Martins uma velhinha perdeu a oportunidade de ter o seu rolo de papel. Como na canção de Zeca Afonso"Os Vampiros - Eles Comem Tudo". E sim, eu tinha papel-higiénico em casa, não precisava de reforço... 

Se alguém se engana com seu ar sisudo

E lhe franqueia as portas à chegada

Eles comem tudo eles comem tudo

Eles comem tudo e não deixam nada

Eles comem tudo eles comem tudo

Eles comem tudo e não deixam nada


Na semana seguinte os "vampiros" do papel-higiénico não precisavam mais e o stock havia sido reposicionado. Desde então não tem havido carência deste "novo ouro" nem uma explicação racional do motivo pelo qual em frente de um problema como uma pandemia muitas pessoas temem esvair-se em matéria fecal...


Os elétricos (conhecidos com Tram na Polónia) e os autocarros urbanos iam praticamente vazios. Na segunda semana foram higienizados todos os dias e os passageiros aconselhados a viajarem com uma distância de, pelo menos, dois assentos entre si.


Uma rua que costuma estar pejada de carros, a Ulica Fabryczna, onde centenas de trabalhadores do Global Delivery Center da Fujitsu e outras empresas estacionam os seus carros todos os dias, por vezes é mesmo complicado arranjar um lugar de estacionamento. Num dia da semana, apresenta-se vazia.


O vosso escriba numa selfie pouco elaborada à espera do táxi para (finalmente) levar o equipamento de trabalho para casa tal como milhares de outros na Polónia.






Nas padarias, lojas de conveniência 24/7 e farmácias os polacos começaram a manter distância entre si, um hábito que, para muitos estrangeiros que vivem neste país, já devem ter reparado parecer não estar muito enraizado devido à proximidade das pessoas entre si nas filas talvez em virtude do passado, durante o Comunismo, onde as filas eram cerradas para evitar aqueles que queriam passar à frente de outros num tempo de escassez de bens e nervos de aço esperando muitas vezes no frio gélido por algo que poderia esgotar rapidamente vindo para casa de mãos a abanar, triste e gelado.



Os editais na entrada dos prédios a avisar o perigo do Covid19 e os números de prevenção em caso de suspeita de infeção.


Áreas de recreio, lazer e exercício  fisico vedadas ao público são parte das regras de Estado de Emergência decretado por o Primeiro-Ministro Morawiecki. 

Vivemos um momento histórico no início desta década, uma experiência que terá certamente um antes e um depois da pandemia e que será recordada por muitos. Tempos difíceis avizinham-se perante uma mais do  que provável crise económica.
Estamos em confinamento, sem possibilidades reais de ter o estilo de vida anterior à epidemia, teremos de enfrentar esta nova realidade, não se sabe até quando.

Estamos mais do que nunca com tempo para refletir naquilo que realmente é importante nas nossas vidas e em companhia de alguém que negligenciamos muitas vezes, por estarmos demasiado ocupados com os outros, com o trabalho, com entretenimento e distrações materiais, muitas vezes temporárias. Esse alguém somos nós próprios.